O Dia das Crianças é tradicionalmente celebrado em 12 de outubro. Essa data deveria ser marcada por celebração e a alegria da infância. Todavia, no Brasil, precisamos fazer dessa data também um momento de reflexão sobre o futuro das crianças do nosso país, especialmente em relação à educação e à alfabetização. Embora o Brasil tenha implementado iniciativas como o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, os desafios continuam gigantescos. Isso porque, um pouco mais da metade das crianças brasileiras foram alfabetizadas no ano passado, um avanço tímido diante das necessidades educacionais do país, dados revelados pelo Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep, 2023). A pandemia de COVID-19 agravou ainda mais as desigualdades preexistentes, aprofundando o abismo educacional entre crianças de diferentes classes sociais​.

A Importância do Dia das Crianças para a Educação

Apesar do Dia das Crianças tradicionalmente ser visto como um dia de lazer, muitas crianças no, Brasil, vivem em condições de extrema pobreza, sem acesso as condições mínimas de dignidade da pessoa humana como: moradia, alimentação, saúde, segurança e à educação de qualidade. Dados do Relatório de Avaliação Nacional da Alfabetização (ANA), divulgado pelo INEP, apontam que apenas 56% das crianças foram ou estão alfabetizadas ao fim do ciclo inicial do ensino fundamental. Esses números evidenciam que quase metade das crianças brasileiras não desenvolveram as competências básicas de leitura e escrita, prejudicando sua trajetória escolar, inserção social​ e seu desenvolvimento cognitivo.

O Impacto da Pandemia na Alfabetização Infantil

A crise sanitária global de COVID-19 trouxe desafios sem precedentes para a educação no Brasil. Escolas foram fechadas, e a transição para o ensino remoto foi marcada por desigualdades. Cerca de 4,8 milhões de crianças ficaram sem acesso à educação adequada durante o período mais crítico da pandemia. Crianças de famílias vulneráveis foram as mais afetadas, expondo uma desigualdade estrutural histórica que persiste no sistema educacional brasileiro​.

As políticas públicas falharam em mitigar esses impactos. Dados do Sistema de Avaliação da Educação Básica (Saeb) revelam que, entre 2019 e 2021, houve uma queda significativa no desempenho de estudantes, e os mais prejudicados foram os alunos de escolas públicas nas regiões Norte e Nordeste. Essas regiões registraram as taxas mais baixas de resposta a questionários educacionais, mostrando uma desconexão entre as políticas de educação remota e a realidade de infraestrutura digital nesses locais.

Desigualdade e Exclusão: Reflexões Necessárias

A exclusão social e as desigualdades raciais são questões centrais quando falamos de alfabetização no Brasil. Crianças negras e pardas, predominantemente das regiões Norte e Nordeste, têm menos chances de alcançar níveis adequados de alfabetização devido à falta de acesso a uma educação de qualidade. Dados do Saeb 2021 mostram que crianças brancas têm 20% mais chances de serem alfabetizadas do que crianças negras​. A falta de formação continuada para professores e a inexistência de currículos municipais em muitas cidades do país contribuem para a manutenção desse ciclo de exclusão​.

Em muitos municípios, não há sequer um planejamento eficaz para a demanda por vagas na educação infantil. Apenas 74% dos municípios brasileiros calculam a necessidade de vagas em creches e pré-escolas, deixando muitas crianças sem acesso à educação básica​. Isso perpetua uma desigualdade estrutural que afeta principalmente as populações mais pobres e negras do país, comprometendo o desenvolvimento integral dessas crianças.

O Papel das Políticas Públicas e da Sociedade

Apesar da implementação do Plano Nacional de Educação (PNE), muitas metas estão longe de serem cumpridas. A criação de políticas públicas eficazes, como o Compromisso Nacional Criança Alfabetizada, visa garantir a alfabetização de todas as crianças até 2030. No entanto, os dados mostram que as metas estão longe de serem atingidas, principalmente para as crianças mais vulneráveis. Apenas 36% das crianças pretas e pardas atingiram o nível esperado de alfabetização em 2023, enquanto o objetivo é alcançar 80% até 2030​.

O governo federal e as esferas municipais precisam trabalhar de forma integrada para criar políticas que realmente combatam essas desigualdades. Mas também é fundamental que a sociedade civil e o setor privado colaborem, criando redes de apoio que possibilitem a todas as crianças o acesso à educação de qualidade. Programas de inclusão digital, formação de professores e melhoria da infraestrutura escolar são medidas essenciais para avançarmos nessa questão.

Um Novo Olhar para o Dia das Crianças

O Dia das Crianças não deve ser apenas uma celebração, mas um momento de reflexão crítica sobre o futuro das novas gerações. As desigualdades educacionais no Brasil continuam a crescer, e a pandemia apenas agravou esse cenário. O que estamos fazendo para garantir que todas as crianças tenham a oportunidade de um futuro melhor?

O direito à educação é um direito básico, e enquanto não garantirmos que todas as crianças, independentemente de sua raça ou classe social, tenham acesso a uma educação de qualidade, estaremos falhando como sociedade. Precisamos de um comprometimento real com políticas públicas inclusivas e eficazes, que assegurem a alfabetização de todas as crianças até 2030​. É assim que, de fato, celebraremos o Dia das Crianças – assegurando a elas um futuro de oportunidades e igualdade.

Referências

BRASIL. Compromisso Nacional Criança Alfabetizada. Brasília: Ministério da Educação, 2023. Disponível em: https://www.gov.br/mec/pt-br/crianca-alfabetizada. Acesso em: 10 out. 2024.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Relatório de Avaliação Nacional da Alfabetização. Brasília: INEP, 2021.

BRASIL. Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP). Sistema de Avaliação da Educação Básica (SAEB) – Educação Infantil 2021. Brasília: INEP, 2022. Disponível em: https://www.gov.br/inep/pt-br/areas-de-atuacao/educacao-infantil/saeb-ei-2021. Acesso em: 10 out. 2024.

CIPRIANO, André et al. Avaliação da Qualidade da Educação Infantil no Brasil: Desafios e Propostas. São Paulo: Fundação Maria Cecilia Souto Vidigal, 2022.

MORTATTI, Maria do Rosário Longo. Um balanço crítico da “Década da Alfabetização” no Brasil. Cadernos CEDES, v. 33, n. 89, p. 15-34, jan./abr. 2013. Disponível em: https://www.cedes.unicamp.br. Acesso em: 10 out. 2024.

PENA, Andréa; SOARES, José Francisco. Impacto da gestão escolar no desempenho dos alunos. Revista Brasileira de Educação, v. 12, n. 34, p. 174-187, 2014.

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Leonildo Marques Silva

Diretor Geral da Faculdade Sensu - Diretor de Comunicação e Marketing do Instituto Lato Sensu – Sócio Proprietário da ALTI Serviços em Tecnologia da Informação - Professor da Educação Básica na Rede Pública do Estado de Goiás Licenciado em Ciências Biológicas pela UFG. Especialista em Análise Ambiental e Geoprocessamento pela UFG. Especialista em Perícia Ambiental pela PUC/GO. É aluno especial do programa de pós-graduação stricto sensu em Educação, Linguagem e Tecnologia – IELT/UEG. É membro do grupo de pesquisa em Didática (DIDATKÉ) na Faculdade de Educação da UFG.