hoje, 22 de março, celebra-se o dia mundial da água. A data diz respeito a uma resolução da Organização das Nações Unidas (ONU), assinada em julho de 2010. Resolução que declara o acesso à água limpa e segura e ao saneamento básico como direitos humanos fundamentais. 

Passados mais de 10 anos, encontramos o planeta em uma situação ainda sem o devido manejo. Segundo a Organização Mundial da Saúde (OMS) e o Fundo das Nações Unidas para a Infância (Unicef), em 2019, cerca de 2,2 bilhões de pessoas no mundo não tinham serviços de água potável gerenciados de forma segura. O contingente equivale a um em cada três habitantes do planeta. E 4,2 bilhões de pessoas não têm acesso ao esgotamento sanitário seguro.

No Brasil, signatário das resoluções da ONU, 35 milhões de pessoas não têm acesso à água tratada. Além disso, conforme números mais recentes do Sistema Nacional de Informações sobre Saneamento – SNIS, de 2019, apenas 46% do esgoto gerado foi tratado. Temos, assim, quase 100 milhões de pessoas utilizando medidas alternativas para lidar com os dejetos. E isso no que diz respeito ao uso de fossas ou jogando o esgoto, de modo direto, nos rios.

Universalização do saneamento

Apesar dos modelos de gestão das águas utilizados no Brasil e no mundo, nesses últimos séculos, duas variáveis foram fundamentais para o fim da provisão restrita e a atual universalização do saneamento. São essas provisões os avanços da ciência e o adensamento das cidades.

Mesmo com a aparente evolução na universalização e democratização dos serviços, o direito à água se tornou uma questão política e de salubridade ambiental. Desse modo, a escassez e o decrescente acesso aos recursos naturais aumentaram a subjugação das populações mais vulneráveis, o que transforma a saúde pública em mais um dado de regulação do poder. Foucault, grande filósofo e teórico social, criou, por exemplo, o termo “biopoder” para demonstrar que o Estado consegue controlar a população em situações de risco.

No debate político

No Brasil, o debate político do que, de modo convencional, se chama de “águas urbanas”, já que 85% da população vive em cidades, envolve o Congresso e as esferas governamentais. Para muitos, o atual governo federal, ao sancionar o novo marco do saneamento básico em julho do ano passado (lei 14.026/2020), facilitou a privatização dos serviços prestados pelo setor. Além disso, trouxe um retrocesso histórico na provisão de água nas cidades. O projeto de lei (PL 4162) de um senador, acabou por se transformar em uma esperança de mitigação destes impactos. O projeto visa alcançar, até 2033, a universalização do saneamento.

Parece existir uma tendência dos operadores privados ao optarem por investir nos serviços nas áreas em que são mais lucrativos. A  Federação Nacional dos Urbanitários (FNU), afirma que a lógica do lucro, que norteia o setor privado no saneamento, é incompatível com a ideia de universalização do acesso. 

Há um movimento internacional de “volta à gestão das águas pelo setor público”. Conforme aponta o Instituto Transnacional (TNI), de 2000 a 2019, 312 cidades em 36 países reestatizaram seus serviços de tratamento de água e esgoto.  Entre elas: Paris, Berlim, Buenos Aires e La Paz.

Coronavírus e o direito à Água

Existe uma ligação forte entre a vida das pessoas e o saneamento urbano. Em virtude de a interdependência sanitária estar presente nos dados estatísticos tabulando-se onde e como a saúde da população se relaciona com a qualidade da água, do espaço e da salubridade ambiental.

O  Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), por exemplo, registrou em 2016, 166,8 internações hospitalares por 100 mil habitantes no Brasil devido a doenças relacionadas à falta de saneamento. Considerando uma população de 207,7 milhões à época, 346,5 mil internações hospitalares ocorreram por doenças causadas por “saneamento ambiental inadequado”.

Em suma, a pandemia de 2020 trouxe para os dias atuais alguns efeitos já ocorridos nas epidemias dos séculos XVII e XIX: o biopoder e a falência do modelo de provisão restrita e estratificada. Assim, apesar do consenso sobre a necessidade de levar saneamento e universalizá-lo, a provisão de águas nas cidades continuam a padecer de sua dificuldade em democratizar estes serviços urbanos.

O despertar da questão do contágio e da interdependência sanitária, por exemplo, nas classes mais abastadas da população não é suficiente para entender que o microrganismo transmissor não escolhe a sua vítima predileta. Vivemos um drama com mais de 2.000 mortes por dia pela COVID-19.

No mesmo instante, milhares de pessoas vulneráveis, em periferias urbanas e favelas, por exemplo, estão sem acesso à água potável em quantidade e qualidade desejável. Como podem estas comunidades, então, seguir a principal recomendação de proteção ao coronavírus: a de lavar as mãos?

O futuro das cidades

O mero acesso à água também não é suficiente. Portanto, se a água não for limpa, não será segura para beber. Se a água está distante e se o acesso ao banheiro é inseguro ou limitado, então, não se entrega bem esses serviços.

Assim sendo, o futuro das cidades e a segurança sanitária estão em jogo. O direito humano à água e ao esgotamento esbarram, como no século XIX, em decisões políticas e de posicionamento das classes mais abastadas. Estariam estas dispostas a financiar redes de saneamento para os que não podem pagar? Conseguiríamos gerar no Brasil uma nova solidariedade urbana?

* Ricardo Ramos Alves é arquiteto e urbanista, UnB. Mestre em Desenvolvimento e Planejamento Territorial, PUC-GO. Professor universitário.

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